domingo, 16 de outubro de 2011

Há segurança na Moderna Igreja de Cristo?

Vivemos dias em que insegurança e incerteza são marcas típicas. Cenários de instabilidades e transitoriedades exigem portos seguros que nos apóiem e nos assegurem. Mais do que nunca o mundo hodierno tem se tingido de cores de violência, de insegurança jurídica ameaçando fazer ruir as instituições abalizadoras da sociedade, de crashes financeiros arrasadores, de hecatombes ambientais sem precedentes e de incertezas políticas em países dantes considerados modelos de estabilidade.

No âmbito pessoal nos acossam crises morais, a síndrome da relatividade ética em que o certo e o errado sofrem ao sabor das circunstâncias, a infidelidade das relações humanas e o hedonismo que nos ensina a mais valia do prazer pessoal acima de qualquer outro valor. Mais do que nunca somos vítimas de um mundo incerto e volúvel. Sofremos de súbitas doenças, de demissões inesperadas, de cirurgias agressivas a quem dantes se sentia muito bem e perdas trágicas de entes queridos. Este dantesco quadro exige de nós que erijamos baluartes, portos seguros e âncoras que nos sustentem.

A natureza destes elementos é a mais diversa possível. Alguns confiam em seu poderio material, enxergando no dinheiro sua segurança para o que der e vier. Outros se apóiam em pessoas que consideram referenciais e orientadores. Outros ainda elegem a fé fátua do pensamento positivo e da auto-ajuda como resposta ao ambiente dúbio em que vivem.

Finalmente, a religiosidade e a espiritualidade surgem como modelos de sustentáculos à intempestuosa vida moderna. A cada dia surgem novas vertentes religiosas e renascem das cinzas do tempo outro tanto de religiões esquecidas. A espiritualidade está em alta e é tida como verdadeira forma de evolução do homem. Registros dão conta de que no Brasil em particular as igrejas evangélicas se multiplicam e nunca houve em nossa história maior “boom evangélico”. A chamada “onda gospel” pintou de chique o professar da fé evangélica, criou estilo musical próprio e galgou espaço na mídia e na sociedade. No afã deste comportamento, a fé tem trocado seu próprio objeto principal. Temos tirado nosso foco do mestre Jesus, autor e consumador de nossa fé, para depositarmos em instituições ou em seus “apóstolos”.

As pessoas passam a buscar esta ou aquela instituição evangélica ou este ou aquele pastor por julgar lá e neles encontrar maior guarida e refúgio. Ao sentirem esgotar esta reserva institucional de fé ou ao se decepcionarem com líderes, simplesmente transitam de igreja ou, pior ainda, engrossam as fileiras dos sem-igreja. A igreja tem se transformado em uma simples instituição de cunho social e humanitário pela perda do foco da fé genuína primeiramente anunciada pelo ministério de Jesus aqui na terra e depois confirmada pelos que o seguiram, muitos dos quais lhe foram testemunha ocular. A fé equivocada da sequiosa platéia gera perigosa confiança institucional.

Tendo estabelecido a igreja como oásis de um mundo árido, vivemos nova forma de evangelho, diferente dos ditames da Palavra de Deus e em consonância com modelos eclesiásticos estanques.

Estes modelos eclesiásticos permitem muitas vezes lassidão moral, parco tempo gasto em leituras superficiais da Bíblia, desvalorização da oração e estabelecimento de leis estranhas à igreja primitiva, como o princípio da teologia da prosperidade. Agora passamos a confiar num aleijão e depositamos nossas agruras no gazofilácio de um mutante institucional, quando nossa fé deveria se centrar em Deus. Aquilo que deveria ser instrumento de condução ao divino torna-se numinoso em si mesmo passível de adoração e devoção.

Por vacuidade de poder próprio, esta igreja moderna assim descrita nos ensina a confiar em nós mesmos e torna o evangelho em uma religião de auto-ajuda, de auto-suficiência e de independência.

Nesta altura vale a pergunta: há segurança na moderna igreja evangélica?  Haverá problemas em depositarmos nela nossa confiança e de nela estabelecermos ponto de segurança às vicissitudes de nossa vida?

Se nos debruçarmos a estudar a história do povo judeu, vamos encontrar no tempo de Jeremias uma situação muito curiosamente semelhante ao que acima descrevemos. O povo havia se afastado de Deus. A religiosidade havia tomado lugar da verdadeira comunhão com Javé.  O templo como local físico e seus sacrifícios e cerimonial como instituições eclesiásticas tinham a estima religiosa do povo, em detrimento da busca pelo Senhor.

O profeta então, provavelmente durante uma cerimônia no templo, em algum momento entre setembro de 609 a.C. e abril de 608 a.C., profere duríssimo discurso, que ficou conhecido como discurso contra o Templo, o qual pode ser conferido em Jeremias 7.1-15 e 26.1-24. O primeiro destaca o conteúdo, o segundo as circunstâncias do discurso.

Neste discurso Jeremias denuncia a confiança no templo de Deus (quando deveria ser confiança no Deus do templo!) e prediz sua destruição, tal qual já havia se dado em Silo, como forma simbólica de condenação a este estado de coisas.

Naquele tempo a morte do rei Josias, líder de avivamento espiritual, em combate contra faraó e a deportação de seu filho, o rei Joacaz, depois de apenas três meses de fugaz governo, mergulham o povo em uma crise de espiritualidade e falta de liderança espiritual tal que o faz desembocar na crença de que a simples presença de Jeová no templo era garantia de segurança e liberdade de toda Judá. Note-se que, mesmo tendo vivido recente avivamento com o Rei Josias, o povo se esquecia de “servir ao Senhor do templo” para “honrar e venerar o templo do Senhor”.  

Em seu discurso, Jeremias denuncia esta inversão de valores e expõe a fragilidade da crença no templo porque, segundo ele, somente a aliança entre Jeová e seu povo poderia garantir a segurança e estabilidade do país. Jeová continuava o mesmo. Para servi-lo exigia-se correção de vida.

Não seria possível admitir que tribunais exercessem a injustiça, quando deveriam ser a casa da justiça por excelência; não seria tolerável ver o estrangeiro oprimido e injustiçado; não se poderia achar órfãos e viúvas desamparadas exatamente pelo Estado que professava o nome de Jeová nem pelas pessoas que confessavam servi-lo; inocentes não poderiam sofrer a condenação injusta do martelo de um magistrado e, finalmente, o culto a deuses estranhos não poderia coexistir.

Qualquer semelhança não é mera coincidência! Vivemos dias semelhantes ao do profeta Jeremias!

Quanta semelhança com o que acontece em nossos dias! É necessário denunciar esta confiança moderna que se tem na igreja como instituição e em seus elementos litúrgicos.

É necessário denunciar o modelo de cristão de nossos dias. Admitimos viver a “vida torta” da imoralidade, da opressão ao inocente, dos ganhos injustos, nos acostumamos com a divisão iníqua de rendas, toleramos a corrupção e até nos corrompemos se tivermos oportunidade, nos acostumamos com a discriminação social e, se as coisas vão bem com a gente, que “Deus ajude o resto”.

É tempo de resgatarmos o verdadeiro cristianismo.

É tempo de “viver a santidade” não apenas aos domingos no âmbito da igreja, mas no trabalho na “segundona”, na prova da escola na terça sem colar do colega, no trânsito na “quarta”, sem vociferar palavrões à menor fechada do carro à frente e no “sábado” ao aceitar freqüentar a “balada com os amigos”.  A voz alçada em louvor ao Senhor deve ser a mesma a proclamar a justiça e o direito, a declarar os ditames da ética e da moral e a proferir palavras de edificação.

É tempo de desfocar nossa atenção da igreja como instituição e de seus lideres como referenciais para nos voltarmos de vez ao autor e consumador de nossa fé, Jesus Cristo nosso salvador, a quem seja toda glória, toda honra e toda adoração.

A confiança em Deus é único lenitivo seguro ao inseguro mundo atual. A igreja como instituição se despida de seu Deus é falida no esforço humano de se revelar como resposta ao incerto amanhã.

Por Gilvano Amorim Oliveira

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Com que roupa eu vou pro samba que você me convidou?

Temo desapontar ao leitor que tenha sido atraído para esta leitura pensando se tratar de uma crônica sobre tão famosa música do cancioneiro brasileiro ou uma antologia da vida não menos célebre de seu autor, Noel de Medeiros Rosa, o Noel Rosa. De certa forma compenso a frustração com uma reflexão baseada sim na música em pauta.

Inspirei-me ao produzir este texto numa contraposição entre a dependência que deveríamos ter de Deus e o relato feito pelo autor musical nesta peça. Dizem os estudiosos e historiadores de Noel, que frustrados pela desistência do curso médico, seus pais, o comerciante português Manuel Garcia de Medeiros Rosa e a professora Martha de Medeiros Rosa, declararam guerra à vida boêmia e desregrada que logo mais lograria ao filho uma terrível tuberculose que o abateria aos 27 anos de idade.

Neste embate, certo dia ao se preparar para a freqüência de mais uma roda de samba com os amigos, sua mãe simplesmente lhe esconde as roupas para que não saísse de casa. Este evento teria tido lugar em 1930, quando lançou sob insígnia de grande sucesso esta música “com que roupa”. A letra deste samba se inicia com uma comunicação de decisão: “Agora vou mudar minha conduta...”

É sempre salutar e desejável a análise de nossas condutas e a consideração de mudanças de rumo. Este é o maior objetivo deste texto. Ao se ver “desarrumado” e com “a vida nada fácil”, o autor decide ir à luta, se arrumar e se reabilitar. Em todo o tempo a música repete em refrão: “com que roupa eu vou pro samba que você me convidou”. 

Quero pedir ao amável e paciente leitor que considere esta pergunta à luz de suas escolhas de roupas no dia a dia. Você costuma se perguntar com que roupa deve ir a este ou àquele lugar? Talvez as mulheres sejam as mais afeitas a este tipo de consideração. Muitas delas promovem um auto-desfile diante do espelho antes de escolher o modelito que deverão envergar frente a uma saída proposta e levando em conta os possíveis convivas que haverá de encontrar.

Conta-se que Bem Carson, um renomado neurocirurgião americano, ao se dispor para qualquer saída de casa, abre seu guarda-roupa e pergunta a Deus com que gravata deve sair. Que exemplo para nós! Estamos acostumados ao chavão “o mundo não deveria olhar para nós que participamos da igreja de Jesus, mas para o próprio Jesus”.

Você já parou para analisar de que modo o mundo vai olhar para Cristo, se aqui Ele não está? O mundo não tem outro parâmetro para o qual olhar e onde reconhecer o protótipo de Jesus senão a nós mesmos. Neste contexto assim desenhado, volto com minha pergunta: “com que roupa eu vou?”.

Vale a pena analisar que tipo de apresentação, que tipo de posturas temos apresentado nos campos da ética e moral pessoais, de nosso profissionalismo, da conduta ambiental, do trato com as pessoas.

Será que, nos contemplando, as pessoas do mundo podem enxergar pelo menos um desenho garatujado e grosseiro de Jesus? Ou será que nossos modelos de conduta são tão gritantes que de pronto nos colocam em antítese ao mestre? É claro que o termo “roupa” aqui transcende a qualquer discussão sobre vestuário, nosso enfoque envolve a roupagem montada pelo conjunto de nossas condutas. Aliás, aprofundo ainda mais a pergunta: “com que roupa eu vou pro samba que você me convidou?

Sem qualquer juízo de valor ao gênero musical, o convite ao samba representa os mais variados convites que o mundo nos faz. Qual tem sido nossa resposta? Temos aceito de braços abertos a todo e qualquer “convite” feito pelo mundo e nos tornado como o mundo é ou temos analisado se o convite que recebemos não fere o padrão de testemunho cristão? Portando aqui reside uma interessante dicotomia de nosso comportamento cristão. Por um lado, o foco está na “roupa” e por outro na resposta ao “convite do samba”.

A roupa representa o estereótipo, o molde de posturas cujo coletivo desenha “nossa cara” diante das mais diversas situações. Como dito acima esta “roupa” inclui nossa ética, nossa moral, nossa cidadania e nossos costumes. O segundo elemento é exatamente “o convite do samba”.

Curioso é notar que diante dos convites, que são as mais diversas situações em que se encarece a apresentação diferenciada do cristão, dois aspectos devem ser pesados na balança. O primeiro é “se devo aceitar o convite do samba”. As situações mais diversas diante das quais nos deparamos devem ser consideradas sob o crivo “em meu lugar, o que Jesus faria?”ou “recebendo o convite deste samba, Jesus confirmaria presença?”.

Não há dúvidas de que o testemunho cristão não se coaduna com todos “os convites de samba” que o mundo faz. O segundo elemento admite a resposta positiva ao convite. É a “roupa” e nos remete à cena do guarda-roupa aberto e diante deles cada um de nós nos perguntando: - “com que roupa eu vou pro samba que você me convidou?”Lembremo-nos de que o mundo tem os olhos abertos sobre nós e espera ver em nós imitações de Cristo, o que, aliás, valeu aos crentes da igreja primitiva o alcunha de cristãos, pequenos Cristos.

Gosto de imaginar os discípulos Pedro e João às portas do templo. Diante do pedinte de mãos estendidas, eles dão uma resposta eloqüente: - Olhe para nós! Que audácia! Que segurança! Quem assim fala não teme a visão de quem contempla. Será que podemos nos voltar ao mundo e dizer: - Ei! Olhem para nós? Oxalá nossa resposta aos convites do mundo seja tão coerente e nossa roupa seja tão digna de ser envergada por um cristão que o mundo ao nos contemplar veja Cristo estampado em nós!

Amém!

Por Gilvano Amorim Oliveira