Temo desapontar ao leitor que tenha sido atraído para esta leitura pensando se tratar de uma crônica sobre tão famosa música do cancioneiro brasileiro ou uma antologia da vida não menos célebre de seu autor, Noel de Medeiros Rosa, o Noel Rosa. De certa forma compenso a frustração com uma reflexão baseada sim na música em pauta.
Inspirei-me ao produzir este texto numa contraposição entre a dependência que deveríamos ter de Deus e o relato feito pelo autor musical nesta peça. Dizem os estudiosos e historiadores de Noel, que frustrados pela desistência do curso médico, seus pais, o comerciante português Manuel Garcia de Medeiros Rosa e a professora Martha de Medeiros Rosa, declararam guerra à vida boêmia e desregrada que logo mais lograria ao filho uma terrível tuberculose que o abateria aos 27 anos de idade.
Neste embate, certo dia ao se preparar para a freqüência de mais uma roda de samba com os amigos, sua mãe simplesmente lhe esconde as roupas para que não saísse de casa. Este evento teria tido lugar em 1930, quando lançou sob insígnia de grande sucesso esta música “com que roupa”. A letra deste samba se inicia com uma comunicação de decisão: “Agora vou mudar minha conduta...”
É sempre salutar e desejável a análise de nossas condutas e a consideração de mudanças de rumo. Este é o maior objetivo deste texto. Ao se ver “desarrumado” e com “a vida nada fácil”, o autor decide ir à luta, se arrumar e se reabilitar. Em todo o tempo a música repete em refrão: “com que roupa eu vou pro samba que você me convidou”.
Quero pedir ao amável e paciente leitor que considere esta pergunta à luz de suas escolhas de roupas no dia a dia. Você costuma se perguntar com que roupa deve ir a este ou àquele lugar? Talvez as mulheres sejam as mais afeitas a este tipo de consideração. Muitas delas promovem um auto-desfile diante do espelho antes de escolher o modelito que deverão envergar frente a uma saída proposta e levando em conta os possíveis convivas que haverá de encontrar.
Conta-se que Bem Carson, um renomado neurocirurgião americano, ao se dispor para qualquer saída de casa, abre seu guarda-roupa e pergunta a Deus com que gravata deve sair. Que exemplo para nós! Estamos acostumados ao chavão “o mundo não deveria olhar para nós que participamos da igreja de Jesus, mas para o próprio Jesus”.
Você já parou para analisar de que modo o mundo vai olhar para Cristo, se aqui Ele não está? O mundo não tem outro parâmetro para o qual olhar e onde reconhecer o protótipo de Jesus senão a nós mesmos. Neste contexto assim desenhado, volto com minha pergunta: “com que roupa eu vou?”.
Vale a pena analisar que tipo de apresentação, que tipo de posturas temos apresentado nos campos da ética e moral pessoais, de nosso profissionalismo, da conduta ambiental, do trato com as pessoas.
Será que, nos contemplando, as pessoas do mundo podem enxergar pelo menos um desenho garatujado e grosseiro de Jesus? Ou será que nossos modelos de conduta são tão gritantes que de pronto nos colocam em antítese ao mestre? É claro que o termo “roupa” aqui transcende a qualquer discussão sobre vestuário, nosso enfoque envolve a roupagem montada pelo conjunto de nossas condutas. Aliás, aprofundo ainda mais a pergunta: “com que roupa eu vou pro samba que você me convidou?
Sem qualquer juízo de valor ao gênero musical, o convite ao samba representa os mais variados convites que o mundo nos faz. Qual tem sido nossa resposta? Temos aceito de braços abertos a todo e qualquer “convite” feito pelo mundo e nos tornado como o mundo é ou temos analisado se o convite que recebemos não fere o padrão de testemunho cristão? Portando aqui reside uma interessante dicotomia de nosso comportamento cristão. Por um lado, o foco está na “roupa” e por outro na resposta ao “convite do samba”.
A roupa representa o estereótipo, o molde de posturas cujo coletivo desenha “nossa cara” diante das mais diversas situações. Como dito acima esta “roupa” inclui nossa ética, nossa moral, nossa cidadania e nossos costumes. O segundo elemento é exatamente “o convite do samba”.
Curioso é notar que diante dos convites, que são as mais diversas situações em que se encarece a apresentação diferenciada do cristão, dois aspectos devem ser pesados na balança. O primeiro é “se devo aceitar o convite do samba”. As situações mais diversas diante das quais nos deparamos devem ser consideradas sob o crivo “em meu lugar, o que Jesus faria?”ou “recebendo o convite deste samba, Jesus confirmaria presença?”.
Não há dúvidas de que o testemunho cristão não se coaduna com todos “os convites de samba” que o mundo faz. O segundo elemento admite a resposta positiva ao convite. É a “roupa” e nos remete à cena do guarda-roupa aberto e diante deles cada um de nós nos perguntando: - “com que roupa eu vou pro samba que você me convidou?”Lembremo-nos de que o mundo tem os olhos abertos sobre nós e espera ver em nós imitações de Cristo, o que, aliás, valeu aos crentes da igreja primitiva o alcunha de cristãos, pequenos Cristos.
Gosto de imaginar os discípulos Pedro e João às portas do templo. Diante do pedinte de mãos estendidas, eles dão uma resposta eloqüente: - Olhe para nós! Que audácia! Que segurança! Quem assim fala não teme a visão de quem contempla. Será que podemos nos voltar ao mundo e dizer: - Ei! Olhem para nós? Oxalá nossa resposta aos convites do mundo seja tão coerente e nossa roupa seja tão digna de ser envergada por um cristão que o mundo ao nos contemplar veja Cristo estampado em nós!
Amém!
Por Gilvano Amorim Oliveira
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